domingo, 21 de março de 2010

DOIS ESPETÁCULOS DO GRUPO DELÍRIO NO FESTIVAL DE CURITIBA!!!


“KAFKA - ESCREVER É UM SONO MAIS PROFUNDO DO QUE A MORTE”

UMA ESPECULAÇÃO PERIGOSA E IRRESPONSÁVEL SOBRE A INFÂNCIA DE FRANZ... KAFKA!

“Antes de ser adjetivo, Franz Kafka (1883-1924) era um judeu de Praga, nascido na inescapável tradição de fantasiosos contadores de histórias, habitantes do gueto e refugiados eternos.
Praga, na época do nascimento de Kafka, em 1883, ainda fazia parte do império dos Habsburgos na Boêmia, onde coexistiam, para o bem ou para o mal, várias nacionalidades, linguagens e orientações políticas e sociais. Para Kafka, nascido checo e falando alemão, mas na verdade nem checo nem alemão, não era fácil formar uma identidade cultural clara.

Não é preciso dizer que, para um judeu nesse meio, a vida era um delicado equilíbrio. Você se identificava primeiramente com a cultura alemã, mas vivia entre os checos. Falava alemão porque era parecido com o ídiche e era a língua oficial do império. O nacionalismo checo crescia contra a predominância alemã, e os alemães geralmente tratavam os checos com desdém. E, é claro, TODOS odiavam os judeus”.

Este fragmento, extraído do livro “Kafka de Crumb”, faz um panorama simples e veloz do começo da vida daquele que é um dos maiores e mais originais escritores do século XX: Franz Kafka! Autor de verdadeiras obras-primas conhecidíssimas como “O Processo”, “A Metamorfose”, “O Castelo”, “Na Colônia Penal” e “Carta ao Pai”, Kafka teve uma vida confusa, dolorosa e intensa, intelectualmente falando. Seus escritos relataram de forma expressionista, mas de precisão cruelmente cirúrgica, a condição humana diante da autoridade superior inatingível, fosse ela representada pelo governo, pela burocracia, pelo patrão, pelo policial, pela figura paterna ou até mesmo pelos fantasmas habitantes da vida interior. Seus personagens, acompanhando seu próprio sentimento diante da vida, reduziam-se, transformavam-se, decaíam e pereciam diante da doença que, segundo ele, era a própria condição humana. Jean-Paul Sartre chamou-o de existencialista, Albert Camus definiu-o como um teórico do Absurdo. Era uma figura ímpar. Nunca se sentiu pertencente a uma classe ou a uma pátria ou mesmo, à sua própria língua. Nem mesmo se sentiu pertencente à sua família. Seu pai, comerciante severíssimo e imponente, sempre mandou na casa com uma autoridade nada sutil. Em seu livro “Carta ao Pai”, Kafka faz um testemunho pungente de sua relação com ele. Seu pai passou à história como mais um dos personagens do escritor, como uma espécie de personificação macabra de tudo o que, já na juventude, assombrava Franz Kafka : o poder, o castigo e a morte. A vida, segundo a literatura de Kafka, é uma eterna incompreensão e o mundo, uma insensatez.

“Toda a educação assenta nestes dois princípios: primeiro, repelir o assalto fogoso das crianças ignorantes à verdade e depois, iniciar as crianças humilhadas na mentira, de modo insensível e progressivo.”

Como teria sido a infância de Franz Kafka? Como poderia ter sido? Ou melhor, como poderia ter sido uma infância de um Franz Kafka? É desta brincadeira macabra que nasce esse nosso espetáculo. Transformamos o mais famoso escritor do século XX num personagem dele mesmo e jogamos com suas palavras, seu tempo, suas ideias e obsessões. O objetivo? Um sentimento artístico muito puro, mas bem pouco inocente. Um desejo de manipulação subjetiva, quando queremos transformá-lo num personagem dele mesmo e, percorrendo verdades históricas como racismo, preconceito, fascismo, acrescidos de lendas e abismos psicológicos familiares, sugerimos (irresponsavelmente!) que sua imaginação peculiar estava pronta para fazer dele o escritor que foi. Ao mesmo tempo dialogamos com a infância, suas assombrações e suas ansiedades. É muito? Talvez nem tanto, quando ainda usamos e abusamos de seus romances, contos e aforismos para construir uma outra história dele mesmo. Conta-se que, quando Kafka lia trechos de “O Processo” em voz alta para seus amigos, ria incontrolavelmente! Nosso espetáculo não chega a tanto, mas procura seguir os passos de nosso escritor preferido, ao transformá-lo num personagem de ficção, vítima de sua própria literatura. Esperamos que por essa heresia, não venhamos a receber numa manhã qualquer, a visita de policiais que nos levarão a intrínsecos corredores de um julgamento que, fatalmente, nos conduzirá à condenação. Mas se isso vier a acontecer... bem, nada mais kafkiano!

Edson Bueno

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