domingo, 14 de março de 2010

FELIPE HIRSCH - PARA QUEM ACOMPANHA A ACPT, FOI SUPERVISOR DE WOYZECK!!!


À imagem de quem assiste
Uma semana antes de estrear em São Paulo, a Sutil apresenta ensaios de Cinema, peça conceitual sobre a relação do público com a arte

Sete fileiras de poltronas, interrompidas por um corredor, fazem as vezes de cenário. Foram resgatadas do Cine São José – aquele cujo teto desabou em setembro passado no município paulista de São Roque – e preservam no couro vermelho marcas do tempo. Por uma hora e meia, o público do Teatro da Reitoria se verá diante dessa outra plateia habitada pelos atores da Sutil Companhia, nos quatro ensaios abertos de Cinema que entraram de última hora na programação da Mostra Contemporânea do Festival de Curitiba.

A peça, produzida pelo Sesi-SP, só estreará de fato no dia 26 de março, na capital paulista. Em Curitiba, segundo o diretor, é improvável que haja outra oportunidade de vê-la a não ser nessas apresentações marcadas para os dias 18 e 19 de março, às 19 e 21 horas. “O público vai assistir essencialmente ao que se dará em São Paulo”, promete o diretor. Com a diferença de que, como em qualquer outro ensaio, ele poderá intervir no desenrolar da ação.


Projetos

Além de Não sobre o Amor e Insolação

Não é à toa que Felipe Hirsch chama a atenção para a possibilidade de Cinema não retornar a Curitiba em uma temporada futura. Nos últimos tempos, suas peças só chegam à cidade com grandes dificuldades – e há aquelas que nem chegam. Não sobre o Amor tardou quase dois anos até, enfim, encontrar lugar no Fringe 2010, no Teatro HSBC. A consequência é que foi a primeira peça a ter todas as sessões (inclusive uma extra) esgotadas.

Para Hirsch, é “o espetáculo mais importante da companhia”, por mesclar linguagens do teatro, cinema, artes visuais e literatura. “Isso foi reconhecido. O espetáculo ganhou o Prêmio Bravo! de melhor espetáculo do ano, as críticas tanto no Rio quanto em São Paulo falavam em uma revolução conceitual”, contenta-se o diretor.

Nas apresentações curitibanas, é Simone Spoladore quem contracena com Leonardo Medeiros, no lugar de Arieta Corrêa, que saiu em uma temporada anterior por estar grávida. Hirsch as compara:”Simone é mais delicada, de uma sensibilidade quase inigualável. Arieta é essencialmente uma atriz de teatro, com uma potência muito grande”.

Insolação

Em breve, o público deverá ter acesso (ainda que restrito) também à primeira empreitada de Felipe Hirsch no cinema, dividindo a direção com Daniela Thomas. Insolação, apresentado até agora apenas em festivais como Veneza, Tiradentes e São Paulo, entrará nos circuitos paulista e carioca dia 26 de março. “Acredito que na semana seguinte chegue a outras cidades como Curitiba e Porto Alegre”, diz Hirsch. Serão poucas as cópias, menos de uma dezena.

Hirsch já planeja outro filme – “Esse infelizmente é muito secreto”, justifica, para não dar mais informações. E seus projetos se multiplicam. Em junho, inicia uma nova versão de Pterodáctilos, peça que fez com Marco Nanini e considera das mais importantes de sua carreira. “Quero fazer uma obra punk sobre essa classe AAA”, revela. Também prevê uma nova montagem com a Sutil ainda para este ano. Além disso, a ópera O Barba Azul, Não sobre o Amor e Cinema farão temporadas no Rio de janeiro, enquanto Avenida Dropsie vai ao Festival de Bogotá, na Colômbia. Viver sem Tempos Mortos, monólogo com Fernanda Montenegro, só deve vir a Curitiba em 2011. (LR)
Identificação

Cinema não é, em absoluto, uma homenagem à sétima arte, enfatizou Hirsch durante a conversa com a reportagem da Gazeta do Povo, realizada no Espaço Cênico – sede onde sua companhia se internou para ensaios de 14 horas diárias desde dezembro. Antes, trata-se de uma obra interessada na maneira como as pessoas se relacionam com a arte em geral. “É um espetáculo sobre identificação, como você vê e escolhe o que ver. Nós somos a imagem de quem assiste, nós somos o cinema.”

Logo que lançou seu primeiro filme, Insolação, no circuito de festivais de cinema, Hirsch despertou para uma realidade em que todos são potenciais críticos, seja em blogs, nos 140 toques do Twitter ou mesmo em um espaço legitimado na mídia. “Vi O Globo eleger uma pessoa da rua para ser o crítico. É uma tendência um pouco estúpida. Um jornal com a história d’ O Globo tem que saber o que é uma crítica séria, técnica, culta, e o que é uma opinião, um achismo. Fiquei questionando isso”, conta.

Outro momento definidor para o projeto se deu quando Hirsch estava em Dublin, na Irlanda, e lia pela primeira vez um ensaio fundamental de Oscar Wilde: “O Crítico Enquanto Artista”, do qual retirou a noção de que todos precisam “aprender a ver”.

Cinema é ainda um desdobramento de uma das cena de um espetáculo anterior da companhia, A Educação Sentimental do Vampiro – que não chegou a ser apresentado em Curitiba. Entre os contos de Dalton Trevisan que alimentavam aquela montagem, havia “Onde Estão os Natais de Antanho”, ambientado em uma sala de projeção. Por uma narração, contava-se a história de alguém que supera a depressão em uma sala vagabunda de cinema de rua. “O Antunes Filho, gosta muito dessa cena. E de alguma maneira me empolgou a levá-la à frente.”

Hirsch uniu essas pontas em uma peça que se vale de poucas palavras e muitos “estados emocionais”, estimulados ao longo dos ensaios por mais de 40 sessões de projeção de filmes. Desde títulos clássicos como Asas do Desejo, de Wim Wenders, 8 e ½, do Fellini e O Desprezo, de Godard, a raros, como o drama The Crowd (King Vidor, 1928), ao qual o brasileiro assistiu pouco tempo atrás, apresentado em Nova York por Matin Scorsese – e do qual conseguiu uma cópia. “Foi um processo de sensibilização mesmo. Selecionamos filmes em que o ato de ver seria estimulado – no sentido racional, intelectual, emocional, sensorial.”

Outra etapa nesse seu processo de criação imersivo envolveu jogos. Hirsch pedia, por exemplo, uma proposta de como transformar a sala de cinema em “outro lugar”, pelo acúmulo de emoção. Os atores respondiam com sugestões e o diretor intervinha mais uma vez, retirando do contexto o que lhe interessava – deslocava uma mulher sozinha, por exemplo, para outra situação. “Vimos mais de 600 exercícios e fui colocando tudo num trilho emocional, formando a nossa atmosfera.”

A Sutil renovou o elenco em uma seleção que começou com 1,5 mil inscritos (de Curitiba e São Paulo), até chegar a 15 atores e cinco profissionais de produção e criação técnica. O que Hirsch mais buscava nesses candidados era “sensibilidade”. Passada a fase de internamento, o diretor se diz feliz como grupo que reuniu.

“Isso é um símbolo do que eu mais quero para o futuro da arte neste país: que esses jovens repensem a mesquinharia”, diz o diretor. Por “mesquinharia”, ele se refere ao “ato de ver com a alma fechada”. Sua investida com Cinema é, enfim, contra uma vulgarização opiniativa da arte, que impeça de percebê-la em sua essência. “A arte é um lugar emocional, cheio de humor, amor, paixões. Capaz de unir as pessoas, não desunir.”

Nesse caminho, que reconhece ser experimental, Hirsch diz não temer o desconhecido nem se preocupar se “vai dar certo ou não”. “Não quero apostar só nas coisas que eu sei. Se eu estou exigindo uma maturidade crítica de quem faz arte ou teatro comigo, também tenho que exigir de mim.”

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