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sexta-feira, 2 de abril de 2010
CONHEÇA UM POUCO DE FELIPE HIRSCH, QUE EM 95 TRABALHOU EM CASCAVEL NA ACPT!!!
Felipe Hirsch reúne elenco jovem e mergulha na sala escura para o espetáculo "Cinema"
Marco Tomazzoni, enviado a Curitiba
O público entra por uma porta lateral, visita as entranhas do Teatro Guairinha e desemboca, com ajuda de lanterninhas, direto no palco. É ali, em quatro fileiras improvisadas, que se testemunha a ação de “Cinema”, encenada entre as poltronas que seriam dos espectadores. Dirigida por Felipe Hirsch, a nova peça da Sutil Companhia foi exibida em primeira mão, em formato de ensaio, no Festival de Curitiba e inicia nesta sexta-feira (26) temporada em São Paulo, no Teatro do Sesi, um “bunker” cultural, segundo o diretor.
Cansado depois de uma sessão dupla do espetáculo no dia anterior, que se estendeu mais do que deveria, Hirsch recebeu a reportagem do iG sentado no mesmo lugar em que seu jovem elenco dá vida às dezenas de histórias de uma fictícia sala de cinema, com cenografia de Daniela Thomas. Sob a luz de um projetor, 15 atores, selecionados entre 1,5 mil, reagem às imagens de uma tela que não existe: só o som, pinçado de diversos filmes, sugere o motivo das emoções que eles manifestam, sempre com poucos diálogos.
Emoção, aliás, foi uma palavra repetida constantemente pelo diretor ao longo da conversa, uma espécie de palavra de ordem. Com mais de 20 peças no currículo, entre elas sucessos como “A Vida É Cheia de Som e Fúria”, “Avenida Dropsie”, “O Avarento”, com Paulo Autran, e mais recentemente “Não Sobre o Amor” e “Viver Sem Tempos Mortos”, com Fernanda Montenegro, Hirsch quis investir em algo que calasse fundo numa era em que tudo é demais. “É um espetáculo sobre identificação, sobre como você vê e escolhe o que ver. Nós somos a imagem de quem nos assiste, nós somos o cinema”, conceitua ele no material de divulgação.
Apaixonado por essa ideia, apresentava um filme por dia aos atores como inspiração e, a partir daí, criaram juntos, em ensaios de até 14 horas diárias, uma série de esquetes coreografadas para dar vida a um organismo pulsante, um microcosmo que corre o risco de desaparecer frente ao rigor dos multiplexes. O casal que se encontra pela primeira vez, o tarado das poltronas, a fã de Elvis, irmãs siamesas que brigam pelo mesmo pretendente – uma mistura da realidade e humor nonsense daqueles que mergulham em uma sala escura pelo prazer do cinema.
Se a primeira apresentação da peça no festival não foi fluente como deveria, as seguintes serviram para deixar o diretor exultante. “Foi assustador como as coisas se ajeitaram”, comemora. Na entrevista, Hirsch mostra seu entusiasmo pelo projeto e pelo elenco, fala de uma Curitiba que ficou no passado, da gênese do espetáculo e de seu amor pela arte.
"A arte é um lugar de comunhão"
De onde veio a ideia e a inspiração para fazer “Cinema”?
A ideia vem de longa data. Sempre quis falar sobre ver, sobre se identificar. Estou cada vez mais preocupado com a vulgaridade opinativa das pessoas, do “achismo”. Hoje a gente tem muito espaço, graças a Deus, para nossa liberdade, mas temos que aprender a lidar com ele, exige uma responsabilidade nossa. Então comecei a ler muito “Crítico como Artista”, do Oscar Wilde, que sempre amei, e que foi um companheiro nesses últimos meses para entender o que as pessoas estão fazendo por isso, a capacidade de perceber emocionalmente algo que vêem, e não só emitir opinião nos seus 140 toques do Twitter. A arte é um lugar de comunhão. Uso esses espaços sempre para despertar paixões. Quando você escolhe algo para ver, é algo amoroso de identificação. Isso é o ponto da arte. Não importa se você tem uma opinião sobre isso, mas o que ela faz em você como transformação.
Por que você pensou em trazer gente nova e fazer aquele casting concorridíssimo em São Paulo?
A gente veio de um trabalho muito especial, “Não Sobre o Amor”, um híbrido que fazia a literatura conviver com artes plásticas, cinema e o teatro de uma maneira viva. Entrei na sequência em um stress tremendo e cansativo que foi a mostra de 15 anos da companhia e a viagem para Espanha. Quando a gente passou disso – estava muito afastado por causa do filme também –, reuni todo mundo e disse que estava voltando para a companhia. Renovamos os votos (risos) e achamos que era hora de fazer uma seleção e trazer gente nova para cá. A pessoa que codirige esse espetáculo, Rodrigo Hause, entrou numa dessas há quatro anos pintando nosso chão. Fico com medo de fazer essas coisas, não divulguei muito. Concentrei em cinco dias as inscrições e mesmo assim deu 1.500 inscritos. Selecionamos 90, fizemos um encontro, passamos para 40, fizemos um workshop de alguns dias, e aí 20 vieram para cá: 15 atores e 5 de área técnica.
Nessa época “Cinema” já existia?
Existia a ideia e o desenvolvimento conceitual, buscando a forma, mas quando levei eles para a sala de ensaio há três meses, isso poderia ter se transformado em outra coisa. Mas já existia o início, que foi por onde começamos e aprofundamos tudo.
Por que trazer todo mundo para Curitiba? Soube que você fez questão de incluí-los na cultura local, inclusive para assistir a um show do [grupo punk] Beijo à Força.
Faço isso há um tempo já. Todas as montagens, de uma maneira geral, tento trazer para cá porque aqui, de alguma maneira, conseguimos respirar e ocupar espaço. Estou há muito tempo fora de Curitiba, 10 anos, morando em São Paulo. Aqui a gente consegue fazer testes de luz e montar o cenário no nosso galpão, uma cozinha para que não se precise sair, tudo de maneira mais barata. Como é que eu ia conseguir ocupar três, quatro espaços em São Paulo? Fora que a concentração é absoluta. E simplesmente por interesse histórico. Amo qualquer cidade que fui na minha vida, juro por Deus. Toda cidade tem um canto interessante, um lugar. Então fiz isso por eles para que não ficasse em dívida. Acho que seria uma pena para pessoas de 19, 20 e poucos anos como eles estar em Curitiba e não ler Dalton Trevisan, não saber um pouco sobre Leminski, não conhecer o Beijo à Força, de falar dessa geração de [Mirando] Miran, de [Luiz Antônio] Solda, de [Jaime] Lerner, pessoas que foram muito importantes nos últimos 20 anos, quando morei aqui. A gente se forma assim, isso é bagagem para outras coisas da vida deles.
Curitiba ainda serve como referência para você, de inspiração? Como é que você lida com esse passado?
Ela me serve como passado mesmo. Esses 20 últimos anos do século passado ainda me servem como energia, uma energia punk que está na minha veia, entre 1981 e 2000. Conheci muitas pessoas, as mais interessantes da minha vida inteira, aqui. Era muito novo, mas partilhei essa Curitiba de Leminski, de poetas, ilustradores, escritores, judocas, pessoas que gostavam de filosofia oriental, tradutores. Vivi muito isso, eu mesmo ou como voyeur. Sempre estará na minha vida, mas Curitiba não é mais isso. Não diminui em nada, só é diferente. Curitiba hoje é dos malacos, o centro é dos marginais. O Dalton deve estar fazendo a festa, vendo os “crackheads”. A gente andava no centro da cidade na década de 1980 de madrugada. Hoje a nossa produtora foi ver como estava “Não Sobre o Amor” no Teatro HSBC e um “crackhead” colocou um caco no pescoço dela. Aqui está muito abandonado. Era uma cidade mais terna.
Como vocês chegaram na concepção do espetáculo e de que forma os atores participaram disso?
Desse desenvolvimento conceitual, comecei a propor coisas, a focalizar emoções, uma espécie de partitura emocional. A gente fazia jogos de improvisação – foram mais de 600.
Você já havia feito isso antes com tanta intensidade?
Sim, em “Avenida Dropsie”, mas nunca com um conceito sem autor. Agora era a ideia de ver, identificar. E também desse ambiente que nos inspirava, esses cinemas “arthouse”, de rua, que estão acabando. Nesse trabalho, comecei a focalizar coisas e isolá-las, se interessassem emocionalmente. Ia propondo e cada proposta gerava outras tantas. Com isso, a gente reuniu um universo rico, enorme, e começou a montá-lo. A primeira passada completa [do espetáculo] fizemos praticamente nesse palco. Até há pouco tempo ainda estávamos isolando, julgando e trabalhando as cenas.
A montagem dessas cenas com a trilha sonora deve ter sido muito complexa, e os ensaios, pesados.
Sim, muito. Em paralelo foi sendo feito todo um trabalho de sampler, de montar o som. Muito pouca coisa na trilha é pura, a não ser “O Vampiro”, do [diretor Carl T.] Dreyer; “Adeus, Dragon Inn”, que é quase uma homenagem ao [diretor] Tsai Ming-liang, porque é um filme sobre uma sala de cinema que vai ser demolida; “Manhattan”, a parte final, mais por causa do “Rapsody in Blue”; e do [Robert] Bresson, “As Damas do Bois de Boulogne”. Mas tem muitas misturas, produzidas pela gente. Eu falava que essa ia ser nossa imagem, porque o som é a imagem do espetáculo. E mesmo a luz foi um trabalho complexo.
Ainda queria entender qual a relação que você fez do conceito inicial com o espectador de cinema.
Eu tinha a opção de fazer uma plateia de teatro – uma plateia é uma praça, como em grego. Mas existe, de alguma maneira, essa quarta parede que é a tela de cinema. Não existe a consciência entre as duas plateias. E é claro, existe esse lado provocativo, do quanto eu trouxe do cinema para o teatro, do quanto essas coisas se complementam, de como as coisas se relacionam de maneira sutil. E eu também me interessava por esses monstros abandonados que existem nas ruas, me despertavam uma sensação muito forte. Esses cinemas estão acabando, em extinção. Quem é o espectador que está em um cinema desses? Ele também está se extinguindo? Essa é a pergunta.
Com o espetáculo finalizado hoje, você consegue se identificar com ele, como era o objetivo?
Muito, de várias maneiras. Cada dia é um espetáculo para mim: escolho um ponto de identificação emocional e trilho por ele. Outro dia vejo o geral dessa sala de cinema que a gente está falando. Em outro, vejo o público, é louco como você pode assistir só olhando essa plateia. E existem dias em que meu ponto é olhar para 15 jovens que estão sendo atiçados, envolvidos numa provocação que os leva a tentar apurar o sentido de ver, sensorial, emocional. Às vezes fico olhando para eles e pensando, “que bom que eles sejam jovens em formação”, porque é simbólico do que acho que deveria acontecer no futuro, pelo menos no nosso país. De alguma forma conseguir se afastar da mesquinharia, dessa perda de tempo dos arredores da arte, e mergulhar no que é importante. Quando falo isso, é da maneira mais pura possível, mais emocional. Essas coisas sempre foram muito importantes na minha vida, sempre foi muito fácil para mim essa curiosidade, a paixão pela arte pop ou que for. Tento passar isso para eles.
Serviço – “Cinema”, de Felipe Firsch
Teatro do Sesi, São Paulo
De 26 de março a 4 de julho de 2010
Horário: quinta a sábado, às 20h; domingo, às 19h
Ingressos: entrada franca às quintas e sextas; sábados e domingos, R$ 10
Censura: 14 anos
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